“Você precisa ver a metade cheia do copo!!! Foram gastos pelo Estado muitos milhões de reais nesta comunidade e beneficiou cerca de mil famílias!”
A frase acima é bastante comum quando algum agente público (prefeito, vereador, deputado, senador, governador, presidente e até mesmo secretário ou ministro, dentre outros tantos) está dando satisfações dos gastos públicos ao mesmo tempo que joga confetes naquilo que não passa de uma mera obrigação estatal: servir ao público!
O tema central deste texto não é a metade cheia do copo mas sim a metade vazia, isto é, vamos olhar um pouco para aquilo que não é dito quando os agentes público estão festejando suas obrigações.
Sabe-se que olhar a metade cheia do copo tem um componente psicológico bem forte: o otimismo. Além do mais, é bem simpático e também tem uma conotação bem positiva!
Assim como há dois polos em uma pilha (positivo e negativo) creio que seja importante vermos também a metade vazia do copo como uma questão de crítica e também de não se deixar levar pelo otimismo exacerbado que costuma pontuar as falas de quem adora fazer loas com as obrigações do Estado, como se aquilo que o Estado está realizando fosse um grande favor que o mesmo faz a uma coletividade que o mantém.
Outro ponto que tangencia a questão da metade vazia do copo é que é muito fácil encantar a plateia usando número altos, na casa dos milhões ou bilhões, quando se fala em dinheiro (em recursos públicos originados da arrecadação, em outras palavras, do bolso do contribuinte) e na casa do milhares, quando se fala em populações. Dificilmente algum dos ouvintes vai se dar ao trabalho de checar a veracidade e a validade dos números apresentados por aquele agente público.
Vamos então ao nosso ponto de interesse.
Quando é dito que em uma determinada obra pública foram gastos tantos milhões (ou bilhões) de reais e que isso beneficiou alguns milhares de pessoas dificilmente alguém questiona o apresentador dos dados sobre a quantidade de pessoas que não conseguiram ser beneficiadas. E se alguém fizer essa pergunta logo receberá como resposta que o que vale mesmo é a metade cheia do copo!
Mas será mesmo?!
Por que não fazer essa checagem dos não-beneficiados? Talvez essa verificação possa acabar mostrando que houve planejamento ruim e que os beneficiados poderiam ser um número bem maior. Ou no pior dos casos, que o número de beneficiados é pequeno diante dos que não o foram e aquilo que foi alardeado como grande investimento não passou de um desperdício e como desperdício não trará retorno portanto não poderá ser visto como investimento uma vez que investimento é aquilo que gera algum tipo de retorno.
Creio também que esse tipo de pergunta é altamente inoportuna para quem gosta de fazer das apresentações desses dados palanques para futuras disputas políticas. O momento acaba sendo mesmo de muita festa e para o senso comum tudo está azul, está às mil maravilhas!
Acontece que a metade vazia é justamente aquilo que não foi realizado. E muitas vezes a não realização de algo tem peso tão impactante na vida de uma coletividade quanto aquilo que foi. Com o tempo, o que deixou de ser feito pode acabar aparecendo e eclipsando a realização.
Saber sobre a metade vazia do copo também é útil para que possamos entender não somente o quanto se gasta mas principalmente saber como e onde se gasta. É possível que ao tomar conhecimento desses dados possa-se, em algum momento futuro, ter uma ideia do porque um determinado projeto não obteve êxito, ou localizar os desperdícios de recursos.
Um exemplo bom para ilustrar essa questão é: Um hospital pronto é a metade cheia do copo, que o governo mostra, aliás, adora mostrar, com muito destaque. A falta de atendimento adequado por parte desse hospital é a metade vazia, que sempre é objeto de justificativas e promessas de providências. E as causas podem ser muitas, desde falta de pessoal que trabalhe de fato até a falta de equipamentos sofisticados, que podem estar enferrujando nos portos que os receberam do exterior.
Ter dinheiro para construir algo é a metade cheia do copo. O fato de depois de construídas muitas dessas obras ficarem sub utilizadas ou sem utilização, é a metade vazia. Metade esta que é prontamente escondida pelo governante de plantão.
Outro ponto que essa questão toca é quanto a eficácia do gasto público. Se um número maior de pessoas ficou “de fora” logo se vê que não houve zelo para com o erário.
Para finalizar esta reflexão considero muito oportuno lembrar que é mais fácil fazer uma obra do que operá-la plenamente, de modo a cumprir a finalidade a que se destina. O ato de construir requer, muitas vezes, apenas um esforço concentrado, muito menos suscetível aos desequilíbrios e desajustes sociais do país do que o ato de operar e utilizar uma obra depois de pronta. Sem falar que podem existir interesses e incentivos inconfessáveis para construí-la, além de uma bela cerimônia de inauguração, que pode render votos. Mas, depois de pronta e inaugurada a obra, é como se batesse uma preguiça… Afinal ninguém é de ferro!